quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

"quem olha para você pensa que é mais dura do que parece...", resmunguei enquanto passava a batata frita dentro do pote de iogurte.
"sim.na verdade sou mais racional quando fico com os caras, mas com elas sou mais sentimental...", retrucou ela, enquanto comia calmamente um pedaço de framboesa.

há uns 3 anos, quando ela decidiu me contar sobre as suas mais recentes descobertas e afeições pelo mesmo sexo, confesso que não consegui ficar tão surpresa, acho que até já sabia. talvez ela esperasse uma bronca, um gesto de decepção, de desespero ou qualquer outra coisa. "não sei por que, mas estou muito feliz por você", disse seguido de um abraço.e ela, bom ela me retribuiu com um sorriso amarelo, mas satisfeito.

passamos a infância e adolescência pensando nas mais diversas relações tradicionais com finais felizes.dividimos a mesma opinião pudica sobre o sexo ser algo desagradável e imperdoável,para quem o fizesse antes do casamento. acompanhamos uma de nós ficando noiva, com sentimento de que tudo estava acabado, porque definitivamente éramos mesmo umas encalhadas.vimos algumas desenvolvendo o seu espírito libertino e outras tendo filhos.

todos os dias enquanto fugíamos do frio, sentadas num pedaço pequeno de sol, longe da civilização juvenil em polvorosa, discutíamos situações que ninguém, com a nossa idade, tinha o cuidado de discutir. “podíamos ser empreendedores. o que vocês acham de um assalto simultâneo? não tem muitas policiais nessa cidade”, arquitetava um de nossos amigos que tinha a cara do quentin tarantino. “ eu te daria aquela viagem a Londres que você tanto quer, Mayhara..” continuou ele.

mas, na maioria das vezes, nós falávamos sobre os garotos apenas, nos quais classificamos, cada um, com um nome de uma fruta, para ninguém descobrir."você viu? ele está usando uma cacharel azul, é tão magrelo e afeminado, será que ele gay?",indagou ela, indicando com a cabeça o menino desengonçado andando de bicicleta no pátio da escola. "é, parece. ele gosta de poesia, sabia? recitou uma para mim aquele dia em que eu o conheci. mesmo assim gosto tanto...", afirmei, escorrendo para dentro do ralo.


“sabe que depois de tanta coisa vou dar um intervalo com as mulheres, elas dão
muito trabalho, são tão chatas e complicadas, agora vou investir nos homens, conheci um que...". ouvindo todas aquelas histórias quase não a reconheci, nem parecia mais a mesma garotinha que discutia a minha falta de fé e a minha indecisão com os homens.
"você não pode gostar de um e namorar outro... não dá para gostar dos dois!"


mais tarde viemos a descobrir (todas nós), que o resultado de uma decepção amorosa acarreta dois substantivos femininos... e olha, bem femininos: a raiva e a vingança. acho que é a partir daí que começamos a ser moldadas. ah, e o sexo passa a ser só sexo mesmo, comparado aos homens e as frutas; as vezes bom e outras decepcionantes.

Um comentário:

kika disse...

ai, ai.´..
num sei explicar ao certo pq, mas esse seu texto me deu uma leveza...

assim é a vida, não?! "ora decepcionante, ora efusiante"... bom, pelo menos é isso o que diz o meu melhor amigo... gay, por coincidência...

um bjo!